é raro, muito raro, falarmos de algo mais do que de nós próprios. podemos fugir, escondermo-nos atrás de uma cortina com um cheiro intenso a naftalina, ou então, atrás de uma árvore qualquer, depois de acenarmos para uma parede repleta de mensagens politizadas. eu não voto, sim?
às vezes caminhamos sem perceber para onde vamos e porque vamos. e mais: não são raras as vezes em que não caminhamos e ficamos tão perto de nada. há quem prefira refugiar-se na sombra de desenhos animados dos finais dos anos setenta e haja quem cante ao desafio desafinando aqui e ali.
sim, penso que não sabes ... olha para ali ::: vês? ::: um pássaro voa sobre nós, mesmo que um baixo estridente esteja a estragar uma canção e tu não esboces um sorriso desde que desistimos de acenar aos pobres de espírito que não te querem bem.
é com as últimas palavras do dia que normalmente sonhamos. há quem tropece no ridículo ou quem se embriague no ocaso da consciência. coisa pouca e opaca, pois os pequenos delírios não são mais do que contos de fada tocados em flauta transversal decorada a rebuçados de vários sabores. reparo na ainda leve (e desfocada) presença da manhã, enquanto permaneces acordada. não consegues adormecer, mas precisas, não precisas? não sabes que desenhas a cinzento os sons que deambulam pelo teu quarto? a febre evapora-se entre o chá de limão com açúcar amarelo e as torradas amanteigadas da avó. o queijo cheira mal. está estragado. não lhe toques. há ruidos abstractos no último andar e um gato ciumento persegue o lento nascer do dia. as sirenes brindam a mancha de café na toalha de seda. há quem ainda sussurre as últimas palavras do dia, ao mesmo tempo que existe quem murmure um ensonado e apagado "bom dia".