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:: sexta-feira, julho 11, 2003 ::

ciliegia


o que será da noite sem espelhos?
o que fazer na noite sem desejo?

os espelhos desaparecem no desejo
na noite sobre as sementes
das lágrimas que secam a alma.

a meia lua da esperança
esconde um olho negro
que rasteja sobre o fogo
do adeus durante o sono.

unir as mãos cerradas
nas montanhas do silêncio
ao alcance da luz
que apaga a memória
da melodia enraivecida.

sopras as linhas em fuga
soltando as amarras
nas veias cortadas
pelo frio da solidão
inversa ao destino
imprópria ao amor.

as palavras doem
quando nos esquecemos delas
e apagamos a luz tensa
e o cheiro a maré cheia.

sobram flores de todas as cores
espalhadas pelo chão
apartadas pelo destino
preso a um relógio de parede
que roda ao contrário.


já não sinto
o corpo a afogar
no fado
já não sinto
o fado
a afogar o corpo
o fado . o fado .
o fado no corpo
afogado .
o fado . o fado .
o fado afogado
no corpo .
o fado . o fado .
o fado . o fado . o fado .
o fado .

:: rui 01:52 [+] ::




:: sexta-feira, julho 04, 2003 ::
balanço


uma noite vaga sem ti
amordaçada por um pedaço de ar
gestos de fogo estendem o perigo
aguçados pela sede de um olhar

uma canção nas tuas mãos
sobre a paisagem de ninguém
pequenas palavras na língua
enroladas na luz de um refém

o amor é uma fronteira
entre um passo em falso
e a lágrima verdadeira

dois corpos juntos no rio
ao longe o sabor a mar
o vento a congelar o frio
na vontade de regressar

talvez seja o nada,
talvez seja o medo
quero lançar os dados sobre a lua
tocar-te no rosto,
cantar-te ao pescoço
morder-te o destino..
embalar-te numa dança nua

o amor é uma fronteira
entre um passo em falso
e a lágrima verdadeira.







:: rui 12:35 [+] ::




:: quarta-feira, julho 02, 2003 ::
CAT POWER :: I'M SO TIRED As expectativas em relação ao concerto da Chan Marshall, no Festival do Porto, eram elevadas. Não porque esperasse um grande concerto - não o esperava, já que tive oportunidade de ouvir vários bootlegs, onde a execução das canções ao vivo ficava bem aquém do que ouvia - e adorava - em disco. Mesmo assim, era a primeira oportunidade de a ver no nosso país e seria delicioso ver uma das minhas "heroínas" de perto. Falar sobre o que vi em Matosinhos é complicado. Simplesmente porque ainda me interrogo se estive mesmo lá e se aquilo não terá sido apenas um pesadelo. A sua entrada em palco foi premonitória do que se seguiria: uma tresloucada Chan implicava com as luzes de palco, pois não queria que as mesmas reflectissem sobre o seu rosto e olhos excessivamente maquilhados. Depois, quando se esperava que começasse o concerto, prosseguiu com as "palhaçadas", quer seja com os fotógrafos, a quem concedeu algumas poses absolutamente inenarráveis ou com um patético episódio com o cartaz que cobria o seu piano. Assim se "perderam" 20/25 minutos, com um público atónito e que enchia por completo o Blá Blá. Parecia, enfim, que o concerto iria começar. Ao piano, ainda começou por soltar duas canções, mas as suas interrupções eram permanentes e, de certa forma, serviam para cobrir uma execução técnica ao piano muito pobrezinha. Salve-se a voz, porque essa, apesar de tudo, é única e lindíssima. Mesmo assim, ainda se conseguiu ouvir "Names", o meu tema preferido do seu novo disco. Foi essa, no fundo, a única canção com principio, meio e fim, porque do resto.. nada. Alguns principios, poucos meios e nenhum fim. Conversa - muita, muito excessiva e entediante. Sem sentido. Frases esmigalhadas, que alternavam sexo, religião, filmes e nada.. Sem conexões e alguma interactividade com a parte do público, que encarou o que via de forma masturbatória, até porque Chan dizia-se encantada com Portugal e até gostou da t-shirt da Catarina que via o concerto na linha da frente. Com o outro público, o que ficava mais entediado e que ia ficando, minuto a minuto, desapontado e incrédulo, tristes episódios, com insultos vindo da "menina mimada" que, definitivamente, pos de lado o concerto e partiu para um espectáculo da mais decadente esquizofrenia com muito de "show of" perfeitamente triste e lamentável. Entre estes episódios: o intervalo. Nesse momento, em que Chan abandona o palco, parecia que o "concerto" teria terminado. E era bom que tivesse mesmo ficado por aí. Mas não. Não aguentei a segunda parte do espectáculo até ao fim. Resignei-me e abandonei a belíssima posição onde me encontrava. Já não aguentava mais e confesso que fiz um esforço enorme para aguentar o que pude. Ultrapassei os limites da minha própria resistência. Acabei por ver o fim, ao longe. Vi o momento em que lhe desligaram o som de palco, entre sorrisos e um ar de alívio enorme pelo fim de um dos mais tristes espectáculos que assisti até hoje. Chan, mesmo assim, permaneceu em palco, dançando com a guitarra no ar e fazendo gestos obscenos para a mesa de som. Não vi mais. Como me disse o Manel, no fim do espectáculo, aquelas quase 3 horas irão ficar para sempre nas nossas memórias. Na minha ficarão. Não vou partir os discos de Cat Power - porque os acho excessivamente bonitos. Mas não sei quando voltarei a pegar neles e se o voltarei a fazer. De momento, não consigo. Lamento quem pagou o bilhete (quase 15 euros) depois de viagens desde Lisboa (ou de outros pontos) e se sentiu defraudado. Mas também lamento aqueles que contestaram com base em que aquele seria o espectáculo da "banda" Cat Power. Por favor. Agora, em situação nenhuma, poder-se-ão encontrar justificações para o espectáculo deplorável que Chan Marshall proporcionou e com a sua enorme falta de educação e de bom senso. Perfeitamente lamentável.
A primeira parte esteve a cargo de Nacho Vegas. O público não aderiu e fez barulho a mais, o que dificultou muito a audição de quem estava atento ao concerto. Nacho estava nervoso e parecia ter medo do público. As suas canções eram excessivamente longas e, quase sempre, repetitivas. O concerto, na verdade, não me tocou muito, mas fiquei com vontade de ouvi-lo em disco. Parece-me um bom som para ouvir em casa.




:: rui 19:12 [+] ::




:: sábado, junho 21, 2003 ::
ESQUISSOS "Esquissos são rascunhos, são estudos sobre uma ideia. Esquissos porque nunca é um projecto acabado.". É assim que Tiago Bettencourt, vocalista, letrista e principal compositor, apresenta o primeiro disco do Toranja, banda que tenho acompanhado ao longo dos últimos dois anos, depois do mui interessante "single" de apresentação, "Fome (Nesse Sempre)", integrado no disco anual da Optimus, uma espécie de Selecção de Esperanças anual da música nacional. Depois de entrar na quinta dezena de audições ao disco, confirmo a ideia inicial que o disco é uma pequena desilusão, em relação ao que esperava, até pelo que tenho visto ao vivo a banda. Parece-me que os Toranja são mais uma banda para se ver e ouvir ao vivo, do que no conforto do lar. É inegável que Tiago é uma grande promessa nacional, como escritor de canções - belíssimas letras, diga-se -, aliando a isso uma das mais interessantes vozes surgidas no nosso País nos últimos anos - e confirma-o neste disco, onde é, claramente, o elemento a destacar. Agora os adornos e arranjos feitos pelo resto da banda, tiram algum brilho as músicas, sobretudo alguns solos de guitarra excessivamente rock-fm que gravitam em algumas canções, retirando bastante do encanto da composição original. No entanto, há uma canção lindíssima neste disco: "Cada vez mais aqui", apenas com voz e piano de Tiago Bettencourt - que dificilmente se livrará de comparações a Jorge Palma -, as quais se podem juntar, num segundo patamar, mais duas ou três canções, nas quais se inclui o single "Cenário". Nota negativa para "Nada", antigamente denominada "Vem Rastejar", música de culto aqui e em outros lares, ao longo do último ano. A versão que os Toranja fizeram destrui a beleza da antiga versão. O meu grande amigo Carlos Serra diz que os Toranja assassinaram a canção - em parte, concordo. Aquela que poderia ser uma grande canção, acaba por ser uma música banal. É pena. Mas o disco pode, deve e merece ser ouvido.


banda sonora: toranja - cada vez mais aqui "não dances tão longe . que eu já te vi ." . esta canção vale o disco . é o seu principal "esquisso".




:: rui 11:48 [+] ::




:: quarta-feira, junho 18, 2003 ::


via rápida .



Via Rápida. Recuar no tempo, algures entre 1988 e 1989. Tinha doze anos e a televisão, em Portugal, era estática e desinteressante. Ainda eram os tempos dos Luis Pereiras de Sousa e dos apresentadores que gostavam de mascar em seco. O skate era uma moda. Como foram, anos mais tarde, os patins em linha. Agora o que nunca ninguém tinha visto era alguém apresentar um programa televisivo a andar de skate. Eu vi e o País descolorido, no final dos 80, também viu, num epílogo de tarde diferente. Era a Via Rápida desde a cinzenta Londres. O pontapé de saída do conceito de "televisão em movimento", degenerado, anos mais tarde, por um cidadão brasileiro e os seus macacos, macacas, cacos e cacas. Poucas semanas depois estava a jogar futebol com o homem da Via Rápida, que, por acaso, conhecia desde a infância em "bila miséria". Mítica futebolada no velho recinto do Parque de Vila do Conde, em que o Álvaro Costa a fazer exercícios de descompressão matinal se cruzou com uma série de putos, entre os 12 e os 13 anos. Primeiro convenceu o "ditador" Acácio a deixar-nos jogar à bola. Depois, jogou connosco. Lembro-me que marcou um ou mais golos. Por certo, o Álvaro já não se lembra deste episódio. Eu nunca mais me esqueci - nem deste, nem do skate, nem de algumas manhãs e tardes junto à praia a discutir a actualidade futebolistica veraneante. É um prazer encostar-me aqui a um cantinho, nesta Via Rápida digital - década e meia depois da outra - a que marcou o início de uma pequena-grande revolução.
banda sonora: mesa . belíssimo disco de estreia da banda portuguesa . não trazem nada de particularmente novo - para além do facto de cantarem em português, o que é quase uma novidade neste tipo de música -, mas é um trabalho bem feito, muito bem tocado e extremamente agradável ao ouvido, sobretudo para estes dias de calor intenso . a voz da mónica ferraz é um delicioso bálsamo - e fico-me por aqui . o melhor é não dizer mais nada .




:: rui 23:41 [+] ::




:: terça-feira, junho 10, 2003 ::
o sol é o mais brilhante dos objectos do mundo
o mais brilhante dos objectos do mundo
não é um objecto
é um buraco
é o abismo metafísico
a condição de todos os outros objectos
a condição mesmo do olhar
e tem ainda o descaramento de se mostrar
mas que tirano!
não apenas nos obriga a ser
mas força-nos a contemplá-lo
e contudo impede-nos disso
proibe que o fixemos
é um tirano!
é um artista!
é um pirotécnico!
é um actor!
nero!
o sol que não é a vida
que é talvez a morte
tal como goethe descreveu
e pede mais luz
mais luz.
assim o sol é um flagelo
e faz estoirar
as espigas, as vargens
é um flagelo sádico
um flagelo médico
e pede
mais luz.







francis ponge por anabela duarte em objogo .








:: rui 07:13 [+] ::





que se espera de um passeio nas horas do próximo estio do dia?
o singular momento: o amor .
a felicidade não pode ser ultrajada .
eu confio nas canções - mesmo naquelas que fiz .
eu confio em ti . lembro-me que eu confio em mim .
como um amante desajeitado: eu sou belo .
ver-te feliz e tocar-te, amor.
sou também o passeio de tarde pelas ruas bonitas .
sem palavras para ti .








bye bye lolita girl .






:: rui 07:11 [+] ::




:: sexta-feira, janeiro 10, 2003 ::
os teus cabelos sossegam sobre a minha almofada solitária. repara, há espaços por preencher. por encontrar. desfigura o negro com os pequenos movimentos assustados entremeados com a insónia vagarosa. um mísero filme francês a confundir o silêncio de cinza da caneta sobre o papel. amar-te sem te tocar, após o toque. por cada gesto teu, um olhar. o meu. fixo, preso à flor que me ausculta o peito. é tão incómodo não chorar com a agonia da partida, do fado de só te voltar a ver daqui a não sei quantos dias. absorver os minutos, os segundos como se fossem os últimos. o sofá pode ser a nossa morada, mas a persiana encerrada é nossa cúmplice na carne, no mel e no osso. as memórias deixaram de ser escassas. guardo-as no álbum das fotografias não tiradas, nas músicas que escutamos do primeiro beijo ao último murmúrio inviolável. porque é que um dia teremos que partir? porque não corro atrás de ti e do vento que nos escapa entre os dedos se é isso que quero? a próxima estação - o mar da praia que envolve os teus olhos lacrimosos. saudades de cada momento, de cada olhar teu, quando é meu. o teu cheiro no meu corpo e nos lençóis transmutados que segredam a densidade do amor. despidos sobre a luz ténue de uma lâmpada oculta sobre a mesa. o mover das tuas pálpebras. os teus lábios polposos e tudo o que quiseres, desde que não me deixes só com as fotografias. leva-me com o vento e com o som dos nossos passos sobre a calçada. fuma-me como a um cigarro, na certeza que as canções não mentem - falta aqui alguém, os ruídos são rosa e o amor ainda está cá.



:: rui 16:05 [+] ::




:: quarta-feira, janeiro 08, 2003 ::
nem todos os cigarros que apagamos tinham frio. nem todos os silêncios que nos estranham eram sentidos. a cama está fria à espera dos teus cigarros esquecidos, dos teus silêncios audíveis e de nós - frios sobre a cinza, sentidos na contemplação e despidos com a ausência. o fumo expande-se pela sala misteriosa, enquanto a janela intervalada na madrugada - serão talvez três da manhã - surpreende-nos: será mesmo um dia de inverno? a garrafa de porto revolve-se pelo chão, abandonada pelas horas sussurradas das viagens do corpo sobre o corpo. descanso na luz de uma meia rota. um estendal no acaso perpetuado. gosto de caminhar descalço e de ver os teus pés cruzarem-se com os meus ou a caminhar sobre a areia insonsa e o mar revolto - como nas fotografias envergonhadas - antecipando cenários que o lento passar dos dias confirmarão, com ou sem janelas abertas sobre o mundo torto. hoje as canções de amor fazem sentido. pelo menos hoje. amanhã - não, quem sabe.


:: rui 20:58 [+] ::




:: segunda-feira, dezembro 23, 2002 ::

foram dias lindos. o iuri e a andreia foram embora há pouco e o cais para por instantes. está na hora do regresso às casas-mãe e isso para mim é sempre doloroso. não gosto de fazer malas e não tenho paciência para morar em vila do conde, nem que seja por uns dias. só faço isso mesmo por causa dos meus avós - que adoro - com quem não tenho passado tempo quase nenhum, praticamente desde agosto. é díficil deixar a minha casa e ter que voltar para lá. rever o meu sótão vazio. deserto. porque agora está quase tudo aqui. e depois aquela cidade-deserta-fria que não suporto por mais de um dia. sempre as mesmas caras, sempre os mesmos gestos e olhares, sempre as mesmas coisas, sempre as mesmas merdas.

foram dias lindos. sobretudo pelo convívio e pela amizade. vimos kafka no deslize. foi um dos mais belos concertos que vi até hoje. estão cada vez melhores e estou ansioso pelo novo disco de originais a sair em 2003. a "her only nightgown" é uma das minhas canções preferidas. fiquei com pena de não ter levado mini disc para gravar o concerto. enfim, fica para a próxima. ah, comprei cinco livros no sábado: "a casa, a escuridão" e "uma casa na escuridão", do josé luis peixoto ; "viola-me eléctrica", do tiago gomes ; "lágrima", do hélder moura pereira e "livro de poemas", do e.e.cummings. já li pedaços de todos. gostei muito. "lágrima" - que já li todo - é muito lindo. intenso. só tinha lido dois ou três poemas dele, por ter trabalhado com a anabela duarte. foi o melhor livro que li este ano, juntamente com "um mover de mão", do vasco gato, para mim, uma enorme surpresa, pois não o conhecia de todo.
e os discos? não sei, não faço a minima ideia. por mais que tente fazer uma pequena lista, sinto-me algo perdido, porque ouvi muita música e quando a ouço não ligo a datas. o meu disco preferido é o nosso.. claro. mas lembro-me que este ano começou com songs:ohia, david fischoff e giardini di miró. foram as bandas do primeiro trimestre. depois, no segundo trimestre.. mercury rev e spiritualized. sobretudo porque os vi ao vivo, pois os discos já conhecia bem. ah, e a "vem rastejar", dos toranja, que me acompanhou infinitamente entre maio e julho. foi uma das minhas duas músicas do ano, mas esta, de longe, a mais ouvida. acho que nem os elementos da banda ouviram tantas vezes essa música como eu. o terceiro trimestre foi dos piano magic e de élena, surgindo aí o km.103, como a outra canção do meu ano. o último trimestre passou tão rápido, que quase nem dei por isso. foi tempo de descoberta de novas bandas e sobretudo de revisitas - primeiro anabela duarte e mler ife dada, depois jorge palma e, finalmente, linha geral e legião urbana. e descobri human drama. o melhor disco nacional - so goodnight, dos pop dell'arte, claro. a terceira canção de 2002 - wake up in new york, craig armstrong.

tenho que fazer as malas - e eu não tenho nenhuma.


(bom natal a todos.até 2003, se não voltar até lá.)

:: rui 12:40 [+] ::




:: sexta-feira, dezembro 20, 2002 ::

os olhos dilatados de paixão no poiso dos amantes antigos. as covas do teu rosto ameno escorrem pelo meu peito de criança inquieta. a maçaneta dilui os sons abandonados de sinos a redobrarem templos de sonhos arquitectados em sombras sonoras irreconhecíveis. o teu corpo encrespado sobre a minha planície constipada como semáforos resplandecentes a transparecerem encanto pelas frinchas da nossa persiana de água. deciframos teoremas, construindo fórmulas. olhamo-nos nos olhos e sorris ao amor violeta das flores que engordam o jardim de tumultos. a tua mão semi-fria afaga-me o cabelo marítimo, deixando fugir da memória as cordas da gare de um ocidente aéreo, abrigo de virgens trémulas que cerram as pálpebras nos segundos derradeiros de seres reclusos a uma harpa.



:: rui 12:57 [+] ::




:: quinta-feira, dezembro 19, 2002 ::

sozinhos percorremos corredores extensos, desvendando enigmas e decifrando códigos na plasticina apressada. permanecemos numa cidade suja, sem darmos conta disso. nem quando desfazemos os copos em azulejos azuis ou sentimos as nossas dores e as dos outros, ao escorrerem por nós gotas mordazes escoltadas pelo cheiro a mofo no quarto vazio. a água que escorre da torneira da água quente é fria, logo pressentimos desejos distorcidos pela falta de peso e pelos escombros das dores dos dias que não findam. as malas estão sempre prontas, assim como os medicamentos e as doenças inalcançáveis. o cinzeiro repleto de beatas, os silêncios indecifráveis e os autocarros repletos de tudo menos daquilo que precisamos, mesmo quando cruzamos os dedos e resistimos à batota, tentando esquecer o tudo que nos mastiga a consciência dorida. sinto a tua falta quando descanso, nas memórias dispersas do recreio da escola e das longas escadarias que percorriamos a correr de mãos dadas até ao último andar. pode ser muito tarde, mas ainda te espero. como no dia em que caminhaste na minha direcção de bem longe e abrimos sorrisos quando os nossos passos se acercavam. conservamos os beijos apimentados e os segundos sonoros até descobrirmos a janela comum, em simultâneo com as flores que nos cobrem os anseios iluminadas pelas luzes de natal.



:: rui 13:33 [+] ::





às vezes não reparamos na cor dos semáforos e esbarramos os sentidos nas fogueiras de paisagens longinquas que distorcem o branco como uma janela partida, baça na ausência e fria pelos vidros congelados pelo sangue dos antepassados. regressamos de forma lenta à infância quando já não esperamos ninguém para além da noite e dos insectos sórdidos envolvidos pela nicotina que encontra o centro na falésia de jornais desusados e de livros sem desenhos e letras, apagados pelo tempo áspero. eleva-se um grito surdo e inconsciente acompanhado pelo prazer de recolher sinais e estatuetas nas linhas alcoolizadas carregadas pelo ventre. trocamos a ilusão dos sons por jogos de equívocos e presentes de natal dos outros anos. há sempre alguém a rir-se numa escada adornada por um crucifixo, enquanto te escondes atrás de uma árvore coberta por chocolates antigos e pequenas luzes indecisas. sentimos a água escorrer longe do banho, despidos por uma chuva ácida e pelos frutos secos que alguém escondeu atrás do sofá. há papeis escritos sobre o chão que pisas e cães que lutam pela subsistência, purificando a raça dos irmãos separados pelas muralhas de gentes famintas e desonestas, na agonia dolorosa da fome e do amanhecer cinzento das casas e das montanhas onde nos perdemos a recuperar a infância. beijamo-nos e olhamos para trás, omitindo os cobertores aquecidos e a bruma de cigarros ensandecidos pela noite sem rosto e pelo perfume do vácuo onde caímos no dia em que mil milhões de pessoas olvidam o vazio e o frio.



:: rui 05:56 [+] ::




:: quinta-feira, dezembro 12, 2002 ::
o vinho sobre a mesa que abriga os nossos instintos primitivos afogados no cetim do teu vestido escuro por despir. pétala por pétala colhemos o amor e a dor única e irónica da ausência escassa e da partida desde a linha de um comboio que arrefece as cores e provoca o desejo. haverá aí a certeza do reencontro numa outra estação, no mesmo comboio, com as tuas mãos a deslocarem-se sobre uma chuva de neóns, guardados pelo arco íris que protege o nosso amor do céu negro onde um dia nos perdemos até nos encontrarmos no sol de lado nenhum.



:: rui 13:48 [+] ::




:: quarta-feira, dezembro 11, 2002 ::

os sonhos medonhos já não te assustam, mesmo quando a sala insiste em permanecer vazia, auscultando os nossos passos em bicos de pés. é a angústia solitária de um som líquido reflectido num copo de água vazio da noite sobre a janela de devaneios. vês, são estas as luzes cruas e únicas que te acertam no corpo como as ondas do atlântico, esgotando as palavras sanguíneas num candeeiro de areia que alumia os nossos cabelos brancos. deixamos a madeira rodopiar nos dedos do quarto, quando a chuva acaricia o amor, fazendo dos cortinados tranças que arregaçam as memórias dos véus assanhados que balançam histórias a preto e branco. enrolamos os dedos de seda branca e o tapete de veludo, desvendando canções pela noite profunda de ruidos sussurrados ao ouvido. de repente, transformamo-nos em seres invisiveis. como se encontrassemos um oasis num deserto sem nome e onde o vento se esvai em pecado sem maçã. caminho até ti. morde-me depois.



:: rui 20:19 [+] ::